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Teses

Entre textos e contextos: o lugar social da loucura em Rio Branco/AC


Acadêmica: Vânia Damasceno Costa
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2022

RESUMO
O presente estudo, cujo escopo é conhecer e refletir sobre o lugar social da loucura em Rio Branco/AC, buscou elucidar parte dessa história e apreender sobre as incursões da reforma psiquiátrica, em uma região pouco conhecida e afastada dos grandes centros. O intuito é auxiliar no desvelamento do contraditório e das condições materiais que corroboram para o lugar que é destinado à loucura em meio à organização social do capitalismo e das especificidades que constituem esta organização em Rio Branco. Delineamos nosso estudo como uma pesquisa documental, que teve como recorte temporal, a inauguração do hospital psiquiátrico em Rio Branco em 1978 e como marco final a inauguração do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em Rio Branco, para os cuidados de pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, o CAPS II Samaúma em 2018, para tal utilizamos as seguintes fontes: jornais de circulação em Rio Branco, levantamento realizado na Hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital; jornais digitais; atas de reuniões do Conselho Municipal de Saúde de Rio Branco; prontuários de internação e do ambulatório do Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac). A análise dos resultados se deu à partir da legislação de saúde mental vigente no Brasil, no período estudado, e à luz de concepções que compreendem o mundo e a sociedade pela ótica da historicidade, considerando a dinamicidade e os contraditórios no bojo desta organização social. Os resultados desta pesquisa demonstram a persistência do hospital psiquiátrico como o lócus da loucura em Rio Branco e assim como o dispositivo assistencial prioritário para as pessoas em sofrimento psíquico. Foram os jovens adultos, considerados improdutivos, de baixa escolaridade que alimentaram as internações e as reinternações do Hosmac. Para o louco parece não haver alternativas e nem mesmo o poder de escolhas, pois para quem perdeu o poder contratual e desta forma o seu valor social, não seria útil nesta sociedade que exige, produtividade e força de trabalho, condição sine qua non para o projeto societário capitalista. Este lugar da loucura esteve entrelaçado pelos enfeixes manicomiais, apresentando o louco como figura perigosa, robustecendo a compreensão da loucura pelo viés da periculosidade. Este lugar do hospital psiquiátrico em Rio Branco também é corroborado pela persistência e hegemonia do paradigma psiquiátrico e pelo pouco investimento e não consolidação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município, capaz de transformar esse lugar social da loucura. Estes contornos tiveram influência da própria história da formação do estado do Acre e da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) nesse território. Outro aspecto relevante neste desvelamento perpassa pelo controle social, o qual teve sua gênese marcada por cooptação política e funcionamento precário do Conselho Municipal de Saúde de Rio Branco, demonstrou, no período pesquisado, pouca apropriação dos pressupostos e princípios da reforma psiquiátrica, culminando em escassas reivindicações e debates, propiciando uma participação social pautada por cumprimento de normativas, mesmo quando estas feriam o ideário da reforma psiquiátrica brasileira. Sem ingenuidade política, vale ressaltar que as políticas públicas, são necessárias, embora, por sua vez, não garanta à totalidade da sociedade, acesso igualitário aos seus serviços, superação da miséria e desigualdades sociais. Este outro lugar social da loucura pode ser construído por meio de nossas ações e estratégias no cotidiano dos serviços de saúde, no fortalecimento do SUS e investimento de recursos financeiros na RAPS, no rompimento do paradigma psiquiátrico, no estabelecimento de um modelo de cuidado pautado nos pilares da reforma psiquiátrica, que deve ser conhecida e defendida nos espaços de controle social, assegurando os direitos sociais e difundindo uma lógica de cuidado em liberdade e de base territorial, norteado pela atenção psicossocial.
Palavras-chave: Loucura. Luta antimanicomial. Reforma psiquiátrica. Saúde pública. Saúde mental. Rede de atenção psicossocial. Rio Branco/AC.
 
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O (des)encontro da mulher com o álcool e os bons costumes no Brasil do início do século XX

Acadêmica: Daniela Rosolen Galleti da Silva
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2021

RESUMO
O uso de bebidas alcoólicas é uma prática social que acompanha a humanidade desde os seus primórdios, atendendo a finalidades diversas como ritualísticas, terapêuticas e nutricionais, por exemplo. Ao longo da história, é possível identificar pelo menos três atitudes possíveis em relação ao álcool, a saber: a abstinência, a moderação e o excesso. Atualmente, o uso excessivo do álcool representa um dos maiores problemas de saúde pública a nível mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos últimos anos, pesquisas realizadas no Brasil e em outros países têm apontado para um consumo cada vez maior de bebidas alcoólicas entre as mulheres, sobretudo as mais jovens. Dentre os estudos que abordam essa temática, há os que priorizam as diferenças fisiológicas entre homens e mulheres – que as tornariam mais vulneráveis que eles aos efeitos do álcool – e que alertam para os riscos do consumo de bebidas alcoólicas no período gestacional. Apesar da relevância dessas questões, as particularidades que envolvem o uso nocivo do álcool pelas mulheres não se limitam a elas. A desqualificação moral imputada pelas próprias mulheres, por familiares e por profissionais da saúde é apontada por outros estudos como um dos maiores desafios na atenção às necessidades decorrentes do uso de álcool por esse público e está atrelada às expectativas sociais em relação ao comportamento da mulher. Entendemos que assim como essas expectativas são construções históricas cujas raízes podem estar em um passado distante, o modo como nos relacionamos com o álcool e pensamos o seu consumo também o é. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi investigar os discursos e as práticas que envolviam o consumo de álcool e as mulheres no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Trata-se de um período no qual o alcoolismo foi identificado como um dos principais problemas a serem combatidos no país em nome da saúde, da raça e do progresso da nação. Período de difusão do ideário da higiene mental e da eugenia, que deu sustentação às intervenções capitaneadas especialmente pela classe médica e orientou a construção dos modelos de atenção que resistem até os dias de hoje. Para alcançar nosso objetivo, recorremos a um conjunto variado de fontes. Na consulta à Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, encontramos uma série de notícias e artigos que nos serviram para ilustrar o pensamento do período, assim como fizemos com algumas obras da literatura e com propagandas veiculadas em jornais e revistas da época. Tomamos como fonte primária e principal produções médicas, dando destaque a livros, teses e artigos, sobretudo aqueles que foram publicados nos Archivos Brasileiros de Hygiene Mental e no Boletim de Eugenia. Procuramos analisar tais fontes inspiradas na perspectiva materialista histórica, atentando-nos para o contexto no qual foram produzidas e nas contradições que nele se acirravam. Vimos que os discursos e práticas correntes em torno do alcoolismo – entendido como um problema social e moral – estiveram afinados com os interesses da classe dominante, incidindo principalmente nos hábitos e costumes da classe trabalhadora, dos negros e como procuramos demonstrar, das mulheres. Apoiados em pressupostos científicos, tais discursos e práticas contribuíram para a naturalização das desigualdades sociais e da hierarquia entre brancos e negros, ricos e pobres, homens e mulheres. No que tange aos discursos e práticas que envolviam o consumo de álcool e as mulheres, vimos que embora eles não incidissem do mesmo modo em todas elas, serviram como forma de controlar seu comportamento e reforçar as expectativas em relação ao seu papel social, seja ao enaltecer a figura da mãe e esposa ideal como aliada na luta antialcoólica, seja condenando moralmente aquelas que faziam uso de bebidas alcoólicas. O modo como pensamos o uso nocivo do álcool pelas mulheres nos dias de hoje não está apartado da forma como ele foi visto no início do século passado. Ao tratarmos sobre a construção da ideia de que o consumo do álcool feria os bons costumes – e, nesta linha de pensamento, a moralidade das mulheres –, não estamos advogando em favor do consumo de álcool por elas (tampouco fazendo objeções), mas sim em favor da atenção integral àquelas (e a qualquer pessoa) que apresentam necessidades decorrentes do uso do álcool e também de outras drogas, que ainda é entravada pela concepção moralizante presente nos dias atuais em nossa sociedade.


Palavras-chave:
Consumo de álcool; alcoolismo; mulheres; higiene mental; eugenia.

 

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Sobre Mulheres, Violência Doméstica e Estado: um Retrato

 

Acadêmica: Simone Carlos de Souza
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2021

RESUMO
Esta tese, inserida na área da Psicologia, linha de Processos Educativos e Formação Humana, e vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas Higiene Mental e Eugenia, objetiva refletir e analisar, sob uma perspectiva histórica e material, o papel do Estado em relação ao fenômeno da violência doméstica contra mulheres provocada por parceiro ou ex-parceiro íntimo. Estudos anteriores com a mesma temática mostraram que quanto mais se descortina a violência contra mulheres, tanto mais se evidencia o hiato entre a materialidade do fenômeno e as políticas públicas que profetizam a sua eliminação. As “soluções” tendem a propor que o Estado assuma o espaço vago e seja o ícone da mudança: ora por meio da ampliação das políticas públicas; ora por meio da ampliação do aparelhamento do Estado, como via para a melhor execução das políticas públicas já elaboradas; ou mesmo por meio da educação dos agentes públicos e da sociedade, como via para a transformação social. Tais caminhos tratam os sintomas do fenômeno, mas desconsideram a missão do Estado moderno estruturado pelos ideais liberais e interessado na reprodução do capital, cuja atuação perante a violência contra mulheres é tão intensa quanto a perturbação do fenômeno ao desenvolvimento econômico. Para elucidar esse fenômeno, partimos da singularidade apreendida em dados, do período que se estende de abril de 2014 a dezembro de 2017. Trata-se de dados disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Departamento de Epidemiologia da Secretaria de Saúde de Maringá e nos registros dos Inquéritos Policiais concluídos e com alteração de classe processual para Ação Penal – Procedimento Ordinário, de competência da 5ª Vara Criminal -
Juizado de Violência Doméstica Contra a Mulher. Também evidenciamos a fundamental importância da militância dos movimentos sociais, especialmente feministas, que fizeram sair das sombras a amarga característica social da violência contra mulheres e o quanto esse movimento, somado aos estudos produzidos, contribuíram para a produção de um conhecimento que expõe a dominação do feminino pelo masculino, como resultado das mudanças sociais e materiais. Aponta a violência contra mulheres, provocada por parceiro íntimo (ex ou atual), como uma tradição ancorada no aprisionamento do desenvolvimento humano ocasionado pela contradição entre o discurso de liberdade, igualdade e fraternidade, frente aos costumes de uma realidade arcabouçada na violenta gênese de proteção à propriedade. Com base no posto, evidenciamos que analisar a violência contra mulheres é considerar a rede complexa na qual conjuga-se as subjetividades dos indivíduos, a reprodução das tradições patriarcais, as necessidades materiais de sociabilidade e os interesses políticos e econômicos do Estado e seus agentes. De tal modo, não podemos falar em eliminação da violência sem considerar que ela é um fenômeno transitório, relacionado ao desenvolvimento das forças produtivas de um determinado período histórico e em determinadas circunstâncias sociais. Longe de ser um fenômeno isolado, a violência contra a mulher integra uma estrutura maior, por si violenta, necessária à reprodução do capital. Portanto, esse é um estudo que buscou pensar uma sociedade sem violência. É também, e principalmente, um estudo sobre a necessidade de encarar e refletir sobre como pensamos a “natureza” do ser humano a exemplo dos eugenistas e higienistas, e o impacto disso na forma como produzimos nossa existência.

Palavras-chave: Violência Contra Mulheres. Estado. Políticas Públicas.

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Reclames ao Judiciário: o caso da saúde mental

 

Acadêmica: Ana Carolina Becker Nisiide
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2020

RESUMO

Em vista do projeto societário burguês na ordem capitalista, o direito regula, estabelece, organiza, medeia e impõe normas de conduta para uma diversidade de relações sociais e contratuais, que são imprescindíveis para a produção e a reprodução de uma sociedade dividida em classes sociais. Cresce o clamor pelo sistema jurídico como instituição reguladora e normatizadora das relações humanas. No Brasil, entre 2014 e 2017, a judicialização cresceu aproximadamente 69%. Nesse cenário, a compreensão desse fenômeno se justifica não apenas pelo número quantitativo de processos judicializados, que afetam todas as políticas sociais e, de modo particular, à saúde, mas, principalmente, pelas repercussões qualitativas que o processo de judicialização traz para a organização da política em si e para os sujeitos que dela dependem ou estão emaranhados nas tramas jurídicas. Fugindo de análises idealistas e positivistas, em que a justiça é neutra, regida pelo princípio do dever-ser e que o sujeito de direito é um ente que se autodetermina, buscamos, com o presente estudo, a partir de uma perspectiva crítica, identificar e analisar as demandas de saúde mental que chegam ao judiciário e os encaminhamentos realizados. Para tanto, elencamos o estudo de acórdãos e decisões monocráticas de saúde mental, que tramitaram entre os anos de 2001 e 2017, na segunda instância do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR). Entendemos que a judicialização não é exclusividade do TJ/PR, porém, o recorte desse território em determinado período sóciohistórico permite que o estudo das particularidades desse fenômeno resguarde, além das suas características singulares, elementos de universalidade. A seleção desses documentos do TJ/PR se deu com o uso do descritor “psiquiátrica”, a partir do qual foram filtrados 316 acórdãos possíveis de serem tabulados e analisados. Ao nos debruçarmos sobre esses documentos, identificamos que as demandas de saúde mental, com maior representatividade no TJ/PR, foram relativas ao sistema penal, às relações de trabalho e ao usufruto de bens e atenção em saúde pela via pública e privada. Esses sujeitos acessam o judiciário em busca da garantia de seus direitos e, como resposta a essas demandas, o aparelho jurídico atua pela via do controle por meio da repressão, do aprisionamento e da sustentação do discurso do sujeito de direitos. O judiciário, com a incumbência de garantir a ordem, acaba incrementando a desigualdade social ao trancar os indivíduos “considerados disgênicos” e ao individualizar e fragmentar demandas, contribuindo para o individualismo exacerbado. Nesse movimento, os pareceres técnicos dos profissionais de saúde ocupam lugar de destaque, amparando os argumentos e decisões dos desembargadores. Os fragmentos desses pareceres, revelados nos acórdãos, indicam, majoritariamente, a naturalização do sofrimento psíquico e da criminalidade. Por fim, sustentamos que se demanda do judiciário uma atuação mais incisiva no sentido do enclausuramento em massa, segregando trabalhadores e, no caso da saúde mental, justificado pelo sofrimento psíquico. Contraditoriamente, a judicialização avança na garantia do direito à saúde como forma de reprodução da classe trabalhadora, ao mesmo tempo que se acentua a minimização do Estado e os limites orçamentários para a efetivação das políticas sociais. A judicialização se configura, assim, como importante instrumento de reprodução do capital, por meio do enclausuramento dos trabalhadores que dificilmente terão sua força de trabalho explorada no circuito produtivo ou daqueles que recorrem individualmente, em busca da efetivação de direitos e não encontram esse caminho por meio da luta coletiva.

Palavras-chave: Judiciário. Política Nacional de Saúde Mental. Classes Sociais.

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Entre os muros do hospital psiquiátrico: Histórias sobre a infância e a adolescência


Acadêmica: Marina Maria Beltrame
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2020
 
RESUMO
O desenvolvimento deste estudo foi inspirado pela realidade e pela ficção. Ao longo da nossa trajetória profissional, foi possível conhecer histórias reais de crianças e adolescentes que viveram, parte de suas vidas, em hospitais psiquiátricos. Ademais, no estado do Paraná, constatamos a criação de leitos para crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos, medida que não se coaduna com as diretrizes da Reforma Psiquiátrica brasileira. Este cenário suscitou alguns questionamentos, dentre eles: O que tem levado crianças e adolescentes a serem internados? Os problemas que os levam à internação estão sendo minimizados por meio desta intervenção? Que fatores têm contribuído para a sobrevivência do hospital psiquiátrico? A literatura infantojuvenil, por sua vez, mostra-nos a existência de diversas e contraditórias concepções de infância/adolescência, sinalizando que, no mundo real, elas também existem. Contudo, não encontramos, salvo equívoco de nossa pesquisa, nenhuma obra cujo enredo fosse o isolamento de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos, revelando a invisibilidade social de tal população. Tais questões nos instigaram a produzir esta tese, na qual objetivamos refletir sobre as internações de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos na vigência de uma Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa documental, cuja fonte principal de dados foram os registros das altas de crianças e adolescentes ocorridas entre 2012 e 2017 no Hospital Psiquiátrico de Maringá-PR. Recuperamos também, via exame de um prontuário, obtido junto a um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), a trajetória de um adolescente que foi internado e reinternado na instituição estudada. Com base nas informações coletadas, caracterizamos as internações ocorridas nessa instituição e as discutimos à luz da legislação, de publicações do Ministério da Saúde, além de outros estudos sobre o tema. Os resultados revelaram que uma parte expressiva das crianças e adolescentes é internada de forma recorrente; a maioria dos usuários está internada devido ao uso de substâncias psicoativas e/ou a questões de ordem comportamental; muitos são internados longe de seu município de origem, ou seja, longe de sua família e comunidade; não há interlocução do hospital psiquiátrico com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) após a alta; existem limitações no cuidado ofertado pela RAPS a esta população; e, em muitos casos, há o intercâmbio dessas crianças e adolescentes entre diferentes instituições. Mostram ainda a existência de uma infância/adolescência medicalizada e silenciada entre os muros do hospital psiquiátrico, cujas circunstâncias nos remetem às infâncias/adolescências recriadas em Capitães da Areia e O Meu Pé de Laranja Lima, nas quais os protagonistas se tornam “gente grande” precocemente. Apesar do tempo transcorrido e dos avanços alcançados pela reforma psiquiátrica, o modelo hospitalocêntrico mantém-se hegemônico para uma parcela da população infantojuvenil, em especial para a infância/adolescência que os higienistas do início do século XX concebiam como “não higienizada” ou “disgênica” (resultante da mestiçagem com “raças inferiores”), a mesma que consideramos, hoje, socialmente indesejável e perigosa. Delineamos, assim, nossa tese, na qual sustentamos que os hospitais psiquiátricos não tratam crianças e adolescentes, mas, sob a égide da proteção, continuam funcionando como um mecanismo de violência e, muitas vezes, de exclusão direcionada a esta população. Embora partilhemos da concepção de que ações pontuais não transformam as estruturas sociais, podemos oferecer resistência ao estabelecido, apontar os desafios não superados no âmbito da assistência à infância e à adolescência e, no que tange à saúde mental, defender a consolidação de uma assistência que torne real a possibilidade de crianças e adolescentes, com sofrimento ou transtorno mental, serem cuidados em liberdade. Sob este prisma, ponderamos que nossa pesquisa poderá contribuir para avaliar a assistência, no campo da saúde mental, à população infantojuvenil e desvelar alguns desafios, os quais perpassam o processo de consolidação do modelo de atenção proposto pela Reforma Psiquiátrica brasileira na atualidade. Se, no início da construção desta tese, questionamos a inexistência de uma história fictícia sobre crianças e adolescentes internados em hospitais psiquiátricos, propondo-nos a pesquisar esta temática para torná-los visíveis, refletimos, no fim do nosso percurso, que, se vivêssemos em uma sociedade na qual, ao invés de hospitais psiquiátricos, tivéssemos mais praças, áreas de lazer, espaços culturais, escolas, serviços de saúde comunitários e lugares de convivência acessíveis a todos, esta história não precisaria ser contada.

Palavras-chave: Infância e adolescência. Reforma Psiquiátrica. Hospital psiquiátrico. Saúde mental infantojuvenil. Literatura.
 


Manicômio judiciário: a contramão da Reforma Psiquiátrica  


Acadêmico: Thiago de Sousa Bagatin
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2019
 
RESUMO
O presente trabalho denuncia a falência do manicômio judiciário enquanto espaço adequado ao acolhimento do louco-criminoso. Desde a construção das primeiras instituições desta natureza, presenciamos a contradição entre a atenção à saúde mental e a lógica punitivista do sistema prisional. Enquanto a Reforma Psiquiátrica demonstrou avanços significativos, tendo como princípio o cuidado em meio aberto, a fim de garantir o vínculo territorial, familiar e comunitário, os manicômios judiciários permanecem como instituições totais, nas quais as prioridades são o isolamento e a exclusão. Nosso objetivo é refletir sobre a função social historicamente atribuída aos manicômios judiciários e o descompasso com os princípios da Reforma Psiquiátrica. Para tanto, realizamos análise da legislação e do contexto do início do século XX, com a finalidade de resgatar a origem dos manicômios judiciários, analisamos os periódicos Archivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, da década de 1930, e Archivos Brasileiros de Hygiene Mental e apresentamos também os casos da Itália e do estado de Goiás como exemplos de localidades em que os manicômios judiciários foram definitivamente fechados. Empreendemos, ainda, estudo de caso de uma pessoa com diagnóstico psiquiátrico, que foi responsabilizada por crime, presa no Complexo Médico Penal do Paraná e atualmente é acompanhada com sucesso pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Expomos as origens do Estado moderno no ocidente, suas variações ao longo do século XX e as diferenças do manicômio judiciário no período fordista para essas instituições na atualidade. Por fim, abordamos o tema da periculosidade e como ela vem cumprindo um papel fundamental na manutenção das pessoas com transtornos mentais encarceradas nos manicômios judiciários. Nossa pesquisa revelou, tanto a revisão de literatura quanto o estudo de caso, que a periculosidade pode habitar muito mais o Estado do que o louco-criminoso. Nossa tese é de que a internação no manicômio judiciário não tem por objetivo a preocupação com a saúde mental, mas, sim, a punição por um crime que, mesmo quando o sujeito é absolvido, permanece como fundamento organizativo de tais instituições. Compreendemos que a criminalização da pobreza não é meramente conjuntural.
 
Palavras-chave: Manicômio judiciário, Reforma Psiquiátrica, Rede de Atenção Psicossocial e luta antimanicomial.
 
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Infrações praticadas por adolescentes no Brasil: uma análise histórica


Acadêmica: Juliana Biazze Feitosa
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2019
 
RESUMO
Este estudo objetiva compreender as características das infrações praticadas por adolescentes no Brasil, no início dos séculos XX e XXI. Partimos do princípio que as determinações históricas do passado nos oferecem parâmetros para pensar no presente o fenômeno em estudo. Neste sentido, levantamos as seguintes questões: os atos infracionais se alteraram do início do século XX para o século XXI ou mudaram apenas os instrumentos? Quais são os fatores que colaboram para a sua produção? Houve alteração da estratégia para o enfrentamento deste fenômeno? Para tanto, recorremos, como ferramenta metodológica, à pesquisa bibliográfica e à pesquisa documental, centrada, principalmente, nos processos judiciais do início do século XX e XXI. Examinamos o total de vinte e dois processos judiciais, sendo onze deles datados do princípio do século XX e onze referentes ao século XXI, localizados respectivamente no Arquivo Central do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro e Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Os dados levantados foram analisados sob a luz da história inspirada na vertente marxiana, que entende que a universalidade se expressa na singularidade e vice-versa. A pesquisa realizada, nos possibilitou, concluir que o tipo de infração praticada se relaciona com a forma como a sociedade organiza a vida no momento histórico retratado, por isso cada época foi marcada por uma determinada forma de expressão da violência e das infrações. Recuperando os períodos históricos em análise, embora o modo de produção da vida seja o mesmo (capitalista), no princípio do século XXI a sociedade tornou-se mais complexa e violenta. As demandas, necessidades e formas de organização do trabalho sofisticaram-se, inclusive no que se refere à forma como o crime se organiza. Acompanhando este quadro, constatamos que as infrações retratadas nos processos judiciais da atualidade foram praticadas com maior violência, evidenciando que não foram apenas os instrumentos que se aperfeiçoaram. Este estudo, nos mostrou, que o cometimento da infração pode ser compreendido como um movimento de resistência a um Estado desigual e uma forma de garantir necessidades materiais, sociais, culturais e pessoais e de acesso à parte destas necessidades. Isto implica reconhecer que para determinado segmento social o acesso à parte da riqueza produzida pela humanidade, bem como o pertencimento à sociedade capitalista se dá a partir da ilegalidade. Igualmente, reconhecemos que outros fatores também colaboram para a produção da infração, dentre eles destacamos: a ideologia do consumo, cultura do individualismo, enfraquecimento dos laços sociais, adrenalina pelo risco, uso abusivo de drogas, a não tolerância à frustração e interdição e a complexa formação subjetiva do homem, que não foi foco de análise neste estudo. Verificamos que são os filhos da classe trabalhadora que se encontram privados de liberdade no Brasil, em que pese as infrações sejam cometidas por adolescentes de todas as classes sociais. Por fim, nossa tese é a de que a sociedade, de forma geral, continua atribuindo exclusivamente ao indivíduo a responsabilidade pela prática da infração, apostando no encarceramento, endurecimento das leis e em políticas públicas reformistas, que apenas minimizarão as expressões da questão social, sem alterar as condições envolvidas na produção das desigualdades sociais, violências e infrações. Nossa defesa é por uma sociedade que não necessite mais de instituições privativas de liberdade e de políticas reformistas, que servem para manter o status quo.
 
Palavras-chave: Adolescência, ato infracional e medida socioeducativa.
 
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